segunda-feira, 20 de abril de 2020

Para sempre, definitivo e nunca mais…


Hoje escrevo sobre um sentimento comum a muita gente, neste momento da história do mundo, e que foi brutalmente intensificado em mim na semana passada: o luto.

Muitas perdas em pouco tempo e todas com significados diferentes. Mecanismos e processos diferentes que foi (está a ser) necessário pôr em movimento. A forma como nos despedimos de um amigo da nossa idade, é diferente da forma como nos despedimos de um pai, e de um avô. E de alguém que representa partes de todas estas figuras (e mais algumas…). Não sei como me despedi de nenhum deles. Lembro-me das últimas vezes que os vi. Achei que estaria mais preparado para a morte de uns do que de outros e percebo hoje que não é possível qualquer preparação.

Aprendi até hoje, com o meu estudo e com o meu trabalho, que o luto é um processo lento, complexo e que tanto pode correr bem como correr mal… Também sei que implica um desinvestimento de “tudo” o que nos liga(va) à pessoa que perdemos e que esse “tudo” (correndo bem) fica livre para ser ligado a outras pessoas/coisas. E que faz bem falar, pensar, sonhar, escrever…

Na semana passada não me pude despedir como gostaria. Restrições derivadas do estado de emergência e agravadas pelos dias de Páscoa. Uma despedida rápida, sem tempo com os amigos que gostariam de ter estado presentes. Curiosamente acabei por sentir que estiveram e compreendi que as coisas que se estudam são mesmo verdadeiras. O conforto nas palavras dos outros, na identificação com dores parecidas daqueles que também passaram por isto e ainda na empatia genuína de todos os outros que “apenas” sentiram comigo. Se temos apoio de “almofadas especiais”, a dor é claramente mais suportável.

A ideia de “nunca mais” é demasiada para a nossa compreensão. É uma “sobrepalavra”, intensa, carregada, excessiva. É da ordem do infinito e da incomensurabilidade. Tão grande que os olhos não a conseguem ver. Tão complexa que o pensamento não a pode elaborar. No entanto os lutos fazem-se… Como? Com tempo, com conversas, com histórias (lembradas, contadas), com pensamentos, com sonhos, com escritas, com pessoas especiais, com encontros A palavra certa parece mesmo ser: com…

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Uma reflexão sobre o presente e uma (não muito) nova dimensão do trabalho psicoterapêutico

Há cerca de 10 anos ouvi, pela primeira vez, o conceito de “psicoterapia à distância”, abrindo uma nova realidade onde terapeuta e paciente comunicavam através do ecrã do computador. Como qualquer novidade que nos retire da “zona de conforto”, desconfiei da eficácia da coisa e, atribuindo pouca ou nenhuma importância ao tema, segui no meu caminho.
Quatro ou cinco anos depois confronto-me com a situação de um paciente (que designarei por Jota), que ao fim de um ano de sessões semanais e numa fase importante do processo, teria de se ausentar para fora do país por um período de 1 ano, por motivos profissionais. Refere-me que irá manter contacto regular com a família e a empresa (em Portugal) por Skype e pergunta-me se é possível seguirmos assim. Propus que fizéssemos uma experiência e, caso a coisa não funcionasse, no limite poderíamos tentar encontrar um colega no outro país, que garantisse a continuidade do processo.
E assim se fez. Não só uma experiência, mas mais uma e outra de tal forma que, após um mês, a “ideia do colega” foi relembrada com ênfase por Jota “nem pensar em procurar um colega seu por aqui!”. Percebi que a relação terapêutica estava construída e era sólida e que esta experiência desconhecida era partilhada por ambos. Ele fora do país, eu fora do setting clássico, no entanto, ambos enquadrados e em comunicação. Jota com um contrato para cumprir com a sua empresa e eu com um contrato para cumprir com ele. Um lugar (meu) que foi ficando cada vez mais confortável, reforçado pela essência da escuta psicanalítica. Apesar da qualidade da imagem, muitas vezes não ser a melhor, o som era essencial e sem dúvida, pude desenvolver uma nova dimensão na minha capacidade escuta.
Depois da “experiência” com Jota tive outras situações idênticas, porém, já não as considerei como experiências. A dimensão da escuta que passei a sentir de uma forma diferente através do caso de Jota, oscilava entre o conforto (orientador para a minha localização no setting) e o desconforto (falhas no áudio, flutuações da qualidade do sinal wi-fi…). Especificidades da comunicação online que, por um lado eram constrangimentos à comunicação, mas por outro apelavam (evidenciavam?) ao aprofundamento de uma dimensão da relação terapêutica onde os inconscientes de ambos (terapeuta e paciente) se entendiam porque estavam, também conectados nesta (suposta?) distância (e é pois, nisto que reside a essência do método psicanalítico - conseguir instalar um código comum entre terapeuta e paciente).
Abril de 2020: Todos nós, humanos, estamos em território desconhecido. Procuramos pontos de referência, tentamos associar semelhanças, evocar memórias e encontrar palavras com as quais possamos elaborar mentalmente o que estes tempos nos fazem sentir. Fomos brutalmente empurrados para fora (e para longe!) das nossas “zonas de conforto”. A resposta de todos os que trabalhamos com “equilíbrios emocionais” está a ser, a meu ver, excelente. Demonstrando, toda a comunidade “psi” uma notável capacidade de adaptação.
Com a tremenda transformação da realidade externa, estranho seria se não estivéssemos a ser capazes de “trans-formar” a realidade interna. Seja esta transformação operada no “mundo” (da rua para casa), seja no próprio setting analítico (do consultório para o ecrã).