Sim. É isso que
devemos fazer. É isso que as pessoas recomendam umas às outras e,
principalmente, quando, por alguma razão, a vida fica inesperadamente em risco.
E nos últimos (quase) 3 meses é este o discurso do mundo. Em todas as línguas,
não diferenciando culturas, ou topografias.
Pela primeira
vez, neste século, vivemos com um “denominador comum” do qual só podemos fugir
pela negação, que implica, no limite, a alucinação de um (outro) mundo e
construção delirante de um (outro) planeta. Mundo enquanto lugar para viver e
Planeta, enquanto lugar para habitar.
Sublinho as
ideias de “Mundo” (vivido) e “Planeta” (habitado) por sentir que ambas as
formas de se/estar “vivo”, estão, mais do que nunca, ameaçadas. A pandemia
surge num momento em que as alterações climáticas já obrigavam a pensar
(no planeta). Mas era um tema mais facilmente “disfarçável”... Junte-se ainda o
capitalismo, irresponsável, máquina trituradora, sendo que este nunca
foi necessário disfarçar, pois que é assim que o mundo se move (ou não é?). São
temas distintos mas que condensam e “sobredeterminam” o presente.
A pandemia levou
às transformações que todos sabemos, nos últimos meses, porém, não creio que
pela consciência dos riscos de se acabar com o mundo, já sobejamente conhecidos
pelas alterações climáticas e pelos extremos do capitalismo, mas sim pelo medo.
Foram pois, razões (interesses) humanas que determinaram a redução da
actividade económica, bem como, o foco nesta possibilidade. Talvez só o medo de
cada indivíduo de ser infectado (pois como bem diz o povo português: quem tem
cu, tem medo), tenha levado às transformações que temos vindo a testemunhar,
parecendo assim, esta ser apenas uma fase, após a qual, tudo voltará “ao normal”.
Não obstante, os exemplos observados nesta “fase” pandémica, demonstram como o
planeta pode, de facto, regenerar (abrindo também a possibilidade de regenerar
o mundo).
Será, então,
pela conjugação de um planeta onde se possa habitar com um mundo onde
se goste de viver, que a vida pode ser vivida. E isto só pode ser válido
numa compreensão comum, tanto para mim (indivíduo) como para os outros
(sociedade). As restrições impostas pela pandemia têm como princípio base
“protege-te para proteger os outros, que por sua vez, te protegerão a ti” (e
note-se que falamos de restrições que não põem em causa “viver a vida”, pois aí
estaríamos a falar de outro nível de “confinamentos” como o encarceramento
violento, a tortura, a doença, a permanência
num campo de refugiados, etc…). Terão maior dificuldade em compreender
isto aqueles que estão habituados a “agir por sua conta”.
Quando penso nas
coisas que contribuem para que a minha vida seja digna de ser vivida,
imediatamente associo um conjunto de coisas que implicam as vidas de outros,
cujas vidas, se não estiverem “boas”, tornam a minha pior. Assim sendo, como
posso dissociar a qualidade da minha vida da qualidade e bem estar de outras
vidas? Falar da “minha vida”, é falar da vida de outros humanos, animais, sistemas
vários e outras diversas redes vitais.
Voltando ao
triângulo: pandemia - alterações climáticas - capitalismo, ficam
evidentes as fragilidades de um mundo “difícil” como emergente de um planeta
“amachucado”. As doenças colocam em causa as políticas de saúde, assentes num
sistema de valorização económica, em detrimento da (óbvia?) valorização humana.
Veja-se o exemplo clássico do sistema de saúde (?) dos EUA, bem como a
abordagem política (económica) desse país (e outros também conhecidos) às
necessidades de confinamento durante a pandemia.
Nos cenários
onde a intensidade do triângulo está a ser crítica, é onde é mais evidente que
os trabalhadores têm de trabalhar para viver. Mas, ironicamente, é o trabalho
(transportes, fábricas, armazéns, casas sobreocupadas, contratos precários,
remunerações baixas, condições miseráveis…) que os pode matar. Podíamos não ir
por aí…
Seguindo o
pensamento de Éloi Laurent: “Se voltarmos ao business as usual, o que
significa aumentar as nossas economias destruindo o resto da Natureza, então a
“recuperação” durará alguns meses antes do próximo desastre provocado pelo
Homem. Temos de reinventar a economia, e isso começa por valorizar o mais
importante – os seres humanos.” Olha, se calhar devia ser mesmo assim…